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No passado, movidos pelo “eficientismo” e pela maior previsibilidade da demanda, as corporações foram seduzidas pelo modelo mental preconizador da estabilidade, o qual compreendia as mudanças incorridas no planejamento como sinais de fragilidade no processo.

Uma empresa madura, de vendas relativamente estáveis, pode render-se a esta crença em virtude da visão limitada de informações do mercado. Tende a encarar as flutuações menores como bom sinal, o que não necessariamente é uma vantagem.

Na nova economia a demanda é menos “comportada”. A diversidade de canais no relacionamento com clientes e consumidores possibilitou uma maior exploração do mercado (ver figura 1). Estas fatias, antes pouco tocadas ou sequer conhecidas, são demandas que podem surgir ou desaparecer sem avisos explícitos ou paulatinos.

O dinamismo que o cenário atual nos impõe pode induzir a visão de que o planejamento foi sepultado, uma conclusão pouco inspiradora.  Planejar não é a antítese da agilidade ou da reação, o plano não é uma camisa de força, um graal ou um número sacrossanto benzido pela estabilidade.

Vejamos o contexto do planejamento de demanda e vendas em diferentes cenários:

  • Antes: limitações da capilaridade (presença geográfica), da capacidade de atendimento da força de vendas, de canais, menor frequência de promoções, restrições de modelos de captura e entrega de pedidos, ciclos de vida de produtos mais longos, concorrentes bem definidos;
  • Hoje: múltiplos canais de atendimento, ampla capilaridade, concorrência não apenas regional ou nacional, ciclos de vida de produtos e embalagens mais curtos, promoções dinâmicas e mais elaboradas, diversidade de experiências de compras, diversas fontes de pedidos e modelos de entrega.

As vendas pela internet e o que isto representou para os negócios é a forma mais evidente de demonstrar a mudança e seus impactos.

O desafio para empresas e seu setor de planejamento é prover mecanismos para antever, adaptar e responder. A instabilidade ou incerteza não é a morte, ela precisa ser gerida pois pode guardar oportunidades e diferencial competitivo. Quem compreender primeiro a dinâmica sai na frente deste jogo.

” A incerteza e a flutuação da demanda mataram o planejamento? ”

O planejamento não morreu. Ele precisa sofisticar-se para cumprir sua missão: melhor preparar vendas e operações para o atendimento da demanda com a necessária produtividade.                    

Comer, rezar e categorizar

Planejar já foi um ato baseado na fé e na longa experiência. Ungidos dentro de oráculos, ilhados nas companhias, com baixa visibilidade daquilo que se passava no mercado. Não havia facilidade em obter e estruturar os elementos do ato da compra, do comportamento de consumidores e fatores de decisão.

Ter a compreensão, aproveitamento e fluidez dos dados ainda é, para boa parte das organizações, uma missa a ser rezada. A qualificação e categorização dos dados são chaves para planejar. A ineficiência da “clusterização” cria distorções da realidade.

A demanda tem múltiplas óticas, como a do cliente final, do revendedor, do fabricante, do planejador de operações e de um supervisor de vendas. Os interesses são distintos. Operações visa obter produtividade, Vendas trazer mais receitas, o Cliente a satisfação do seu desejo singular. Ao agrupar dados e unificar perspectivas como demanda de mercado, a estrutura comercial e logística, cria-se um nevoeiro nas análises.

O mesmo vale quando damos tratativas iguais para linhas de negócios ou portfólios diferentes, apenas por estes compartilharem a estrutura física do abastecimento. Sob a ótica de supply chain management, cadeias existem para distinguir necessidades específicas de suprimento dos segmentos. Uma empresa poder ter diversas cadeias e estratégias próprias para cada uma.

Com a atual vastidão de informações aplicar bem a tecnologia cria mais valor quando baseado em um smart sorter de dados.

Elementos para um bom Planejamento de Demanda

Um bom planejamento de demanda se faz com 3 elementos que contribuem para melhorar a assertividade da previsão (atributo de performance confiabilidade):

  • Processos: atividades definidas e associadas a responsáveis dentro do ciclo periódico de planejamento. O framework enxuto (lean) deve evitar retrabalhos, tempos mortos, transcrição e erros de informação. Deve-se incorporar boas práticas como o kaizen (melhoria contínua). Com a gestão de performance e exceções pode-se continuamente aferir a eficácia e prover insumos para análises, ajustes e revisões;
  • Motores e Modelos: utilizar algoritmos para identificar comportamentos, automatizar a escolha do modelo mais adequado e alavancar a assertividade em menor tempo. Exemplo: combinar séries temporais com regressão linear e análise qualitativa oriunda da colaboração com atores próximos ao front;
  • Tecnologia: ferramentas tecnológicas são habilitadoras. Corporações de maior porte não podem ser produtivas sem uma arquitetura tecnológica que ande junto com seus processos de negócio. O uso de soluções avançadas de planejamento e aprendizado de máquina (IA) possibilitam um salto qualitativo nas previsões e reduzem ciclo de planejar, impensável para abordagens artesanais. 

A fundação para estes 3 elementos é o aspecto organizacional. Pessoas habilitadas, comunicadas e uma empresa motivada para a mudança é fator decisivo de sucesso.  Em iniciativas de planejamento avançado falhas no processo de evangelização e adesão podem comprometer não só o presente, mas também implodir futuras ações, pois “mordido de cobra, medo de linguiça”.

Planejamento de Demanda

Compreender o comportamento do mercado requer selecionar variáveis e fatores que representam e influenciam a demanda. Trata-se de um processo investigatório, com a devida técnica de validação do benefício do uso de cada uma delas. 

Vejamos alguns fatores que contribuem para boa modelagem e processo de previsão:

  • Modelos de séries temporais requerem uma quantidade de períodos históricos para ser mais preciso, não menos que 36, sendo alguns mais de 48;
  • Variáveis usadas em regressão devem ser avaliadas quanto a sua causalidade e a sua correlação com outras variáveis. Análises superficiais levam a conclusões erradas.  Exemplo:  número de mortes no verão por afogamento na praia explicar o crescimento de vendas de sorvetes no período. Ambas podem ter uma curva muito parecida, mas uma não explica ou é a causa da outra;
  • Criar modelos distintos para horizontes e granularidades.  Variáveis macroeconômicas podem explicar melhor modelos anualizados (longo-prazo), indicando uma tendência. Pouco contribuem para indicar a mudança de volumes no mês.  Exemplo: a influência da variação anual do PIB em 0,2 pontos não é determinante paras as vendas do mês seguinte ao contrário de uma promoção. É evidente que a conjuntura econômica ou um evento como a pandemia influi, mas devemos considerar a imprevisibilidade da variável e sua baixa eficácia em explicar o seu efeito direto na variação no curto-prazo em um SKU em um canal. Ela é conjuntural não específica;
  • Automação: usar “robôs” para realizar inúmeros testes de hipóteses e encontrar um best fit;
  • Variáveis externas – valores e índices de vendas: sinalizam o comportamento mais imediato. Sell-out, níveis de estoques no varejo, preço ou promoção da concorrência;
  • Vaiáveis externas – índices econômicos e tendências: crescimento de indústria ou de segmento fortermente relacionado, PIB, confiança do consumidor, cotação do USD, inflação, desemprego etc. Compreender que estas variáveis apesar de impactantes são de difícil predição, correlação e tem naturais imprecisões;
  • Fatores estratégicos e qualitativos – iniciativas corporativas que afetam o market share e\ou mudam o perfil da demanda do negócio, como novos mercados, novos produtos etc. Assim como as variáveis de tendência elas devem ser traduzidas (fator de impacto) para o médio prazo, mas talvez não incorporadas diretamente na explicação das vendas das próximas semanas;
  • Análise qualitativa de Vendas – atores no front de batalha capturam o que está ocorrendo ou que irá ocorrer no curto-prazo. Muitas vezes esta informação ou “percepção” complementa (confirma ou contesta) as variáveis externas. A sensibilidade da força de vendas é anda mais importante se a organização não captura variáveis externas de maneira estruturada e contínua;

Fatores estratégicos e qualitativos não podem ser desprezados, do contrário a empresa estará amarrada no passado, olhando apenas no retrovisor. Por fim, propiciem devido tempo para maturação dos modelos. O go-live de uma solução é o começo da jornada e não o seu fim.

Impactos no Custo ou na Receita

A qualidade do planejamento de demanda irá afetar outros processos da gestão da cadeia de abastecimento.

O impacto da incerteza, seja ela da demanda ou do suprimento, afeta diretamente os custos de servir.  Em outras palavras, se a assertividade da sua previsão de demanda for ruim e, houver a necessidade de oferecer um bom nível de serviço, caberá escolher entre alguns buffers (amortecedores): capacidade, estoques ou lead-times.

As companhias geralmente trabalham com algum nível de folga em capacidades, mas não exageradamente, dado o investimento em ativos e o custo de manter. Um perfil mais comum de identificarmos são de estouros de capacidade em determinados períodos e uma dificuldade mais generalizada de equilíbrio nos estoques, com reincidência de faltas e\ou sobras, comprometendo o atendimento e\ou giro ideal.

Falhas no MPS e DRP de produtos acabados afetam toda a gestão de estoques da lista de materiais diretos, aumentando o estrago a partir das rodadas de MRP.

A definição da política e um adequado planejamento dos estoques, com dias de cobertura ou segurança baseados na incerteza, ajudam na gestão capital empregado, na calibração do nível de serviço a ser ofertado e em decisões de investimento em ativos

Caso de Negócio


Vejamos o caso de uma organização hipotética chamada VendBem.

Durante a reunião de S&OP indicou-se uma oportunidade de aumento de receita atacando perda de vendas. Outra observação aponta níveis de estoques altos.  Um dos executivos comenta:

“- Qual a nossa assertividade do planejamento de demanda? Não é ruim, temos mais de 85%. Não entendo como todo este estoque não consegue suprir a nossa demanda.

A assertividade informada foi do nível geral da empresa. Contudo mergulhando em níveis mais granulares, SKU e Centro de Distribuição, descobre-se que a assertividade é bem menor.

Muitos se esquecem que a acurácia em níveis agregados pode até servir muito bem para o cumprimento de metas de receita ou volume total de vendas, mas não para a eficácia dos resultados da gestão da cadeia de abastecimento.

Ao capturar este detalhe o mesmo executivo questiona qual o impacto de um aumento percentual na precisão do plano de demanda:

“ – Com 2,5% de aumento da acurácia da previsão podemos aumentar receita e reduzir estoques?”

Abaixo podemos verificar 2 cenários estudados, onde os planejadores isolaram os efeitos em cada um deles.

Cenário 1: aumento de nível de serviço e receitas de 2%

Avaliaram um aumento pouco acima de 2,5 pontos percentuais no forecast accuracy. Como isto poderia ser alavancado ganho teórico de $ 2.500.000,00 mensais.

Cenário 2: redução de estoques em mais de 8%

Neste cenário avaliaram que para uma melhora no forecast accuracy de um pouco mais de 2,5 pontos percentuais, mantendo o nível atual de serviço, propiciaria redução em torno de 8% no estoque (proporcional ao days of supply e estoque de segurança). Isto  poderia  alavancar  um ganho de aproximadamente
$ 4.000.000,00 mensais.

Ao final chegaram a conclusão que, ao melhorar o forecast accuracy por SKU e CD, poderiam elevar de forma combinada o nível de serviço e reduzir inventários (capital empregado).

Como?

Através do balanceamento de inventário. Com a visibilidade correta de causa e efeito pode-se “trocar” sobras e faltas entre produtos, atuando em ajustes em cada SKU e não em uma ação genérica. 

Mesmo que os ganhos iniciais não sejam tão agressivos, o aprendizado da sistemática pode pavimentar o caminho. Ao implantar um kaizen no plano integrado, envolvendo previsão de venda, gestão de estoques e produção, a Vendbem dá passos consistentes na melhora de resultados.

O futuro não precisa repetir o passado

Desejamos que as considerações aqui descritas neste breve artigo ajude a reforçar o valor de um planejamento integrado não acomodando a organização sob uma ótica predominante, seja de operações, marketing ou vendas.

É interessante provocar  mesmo os casos de planejamentos assertivos:  o plano é bom porque é pouco ousado ou porque o planejamento é eficaz?

O bom planejamento de médio e longo-prazo prepara a estrutura para operar, como também define e quantifica os elementos de reação disponíveis e toleráveis para serem usados (capacidades, estoques, prazos, atrasos, não entregas).

No curto-prazo um plano de natureza prescritiva reconfigura e orienta a  camada operacional para responder as flutações. Quanto antes se identificar a variabilidade, pelos sinais de demanda vindos do mercado e\ou pela redução do suprimento, mais condições de reação e menor o impacto causado.

Olhar apenas para o passado não levará a organização ao crescimento, a romper com crenças limitadoras, a lidar melhor com as incertezas e flutuações naturais do mercado contemporâneo.

As empresas que gerenciam as incertezas são aquelas que aprendem com o futuro, pois estão dispostas a inovar com propósito definido, fazendo do planejamento uma vantagem competitiva.

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